o bem imóvel do devedor não está amparado pela impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8.009/1990 quando o crédito for decorrente de alimentos em virtude de acidente de trânsito.

23/06/2011 14:38

 A 2ª Seção do STJ rejeitou embargos de divergência, por entender que o bem imóvel do devedor não está amparado pela impenhorabilidade prevista na Lei nº. 8.009/1990 quando o crédito for decorrente de alimentos em virtude de acidente de trânsito. 

 

 

Fonte: https://www.espacovital.com.br


Segundo o julgado, "as exceções à impenhorabilidade previstas nos arts. 3º e 4º da lei não fazem nenhuma ressalva quanto a se tratar de constrição decorrente ou não de ato ilícito".

Para decidir, o relator Sidnei Beneti levou em consideração, entre outros, três precedentes da própria corte: REsps nºs 1.036.376-MG, 437.144-RS, e 64.342-PR.

No novo julgado vem referido que "excluindo-se, por disposição legal, os débitos alimentares, da regra da impenhorabilidade, entre eles situa-se o débito alimentar consistente no pensionamento por dano físico-psicológico – no caso, decorrente de acidente de veículo causado pelo devedor". (EDs EM RESP nº 679.456).

Veja o acórdão do STJ que reformou julgado do TJRS para autorizar a penhora de imóvel residencial.

RECURSO ESPECIAL Nº 437.144 - RS (2002⁄0060024-7)
RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO
RECORRENTE : DIVA SGARIONE BROLESE
ADVOGADO : EDUARDO FERREIRA FISCHER E OUTRO
RECORRIDO : FORJAS BALDISSERA LTDA E OUTRO
ADVOGADO : GILSON JOSÉ LAZZAROTTO

EMENTA

DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. AÇÃO REPARATÓRIA POR ATO ILÍCITO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. PENSÃO ALIMENTÍCIA. ONOPONIBILIDADE DA IMPENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA.

O comando do artigo 3º, III, da Lei nº 8.009⁄90, excepcionando a regra geral da impenhorabilidade do bem de família, também se aplica aos casos de pensão alimentícia decorrente de ato ilícito - acidente de trânsito em que veio a falecer o esposo da autora -, e não apenas àquelas obrigações pautadas na solidariedade familiar, solução que mostra mais consentânea com o sentido teleológico da norma, por não se poder admitir a proteção do imóvel do devedor quando, no pólo oposto, o interesse jurídico a ser tutelado for a própria vida da credora, em função da necessidade dos alimentos para a sua subsistência.

Recurso especial provido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos, acordam os Srs. Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso especial e dar-lhe provimento.

Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.

Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

Sustentou oralmente o Dr. Eduardo Fischer, pelo recorrente.

Brasília (DF), 07 de outubro de 2003.(Data do Julgamento).

MINISTRO CASTRO FILHO
Relator

RECURSO ESPECIAL Nº 437.144 - RS (2002⁄0060024-7)
RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO
RECORRENTE : DIVA SGARIONE BROLESE
ADVOGADO : EDUARDO FERREIRA FISCHER E OUTRO
RECORRIDO : FORJAS BALDISSERA LTDA E OUTRO
ADVOGADO : GILSON JOSÉ LAZZAROTTO

RELATÓRIO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO (Relator): Trata-se, na origem, de agravo de instrumento interposto por FORJAS BALDISSERA LTDA e outro contra decisão proferida nos autos de execução de sentença condenatória de indenização por ato ilícito, acidente de trânsito, que lhes moveu DIVA SGARIONE BROLESE, a qual, em juízo de retratação, autorizou a penhora sobre o imóvel de um dos executados, ao fundamento de se tratar de dívida de alimentos, sendo inoponível a impenhorabilidade prevista na Lei nº 8.009⁄90.

O recurso foi provido pela 11ª Câmara Cível do egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, restando o acórdão assim ementado:

“ PROCESSO DE EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA.
A ressalva contida no art. 3º, III, da Lei nº 8.009⁄90 somente se aplica ao credor de pensão alimentícia decorrente de laços de parentesco e não à decorrente de ato ilícito.”

Inconformada, a exeqüente interpõe recurso especial, com fundamento nas alíneas “a” e “c” do permissivo constitucional, alegando que a exceção prevista no artigo 3º, III, da Lei nº 8.009⁄90, não faz qualquer distinção quanto à proveniência do crédito. Desse modo, seja a pensão alimentícia decorrente de laços de parentesco ou de ato ilícito, estará o imóvel sujeito à constrição.

Admitido o recurso, na origem, ascenderam os autos a esta Corte, vindo-me conclusos.

É, em síntese, o relatório.
RECURSO ESPECIAL Nº 437.144 - RS (2002⁄0060024-7)
RELATOR : MINISTRO CASTRO FILHO
RECORRENTE : DIVA SGARIONE BROLESE
ADVOGADO : EDUARDO FERREIRA FISCHER E OUTRO
RECORRIDO : FORJAS BALDISSERA LTDA E OUTRO
ADVOGADO : GILSON JOSÉ LAZZAROTTO

VOTO

O EXMO. SR. MINISTRO CASTRO FILHO (Relator): Originalmente, DIVA SGARIONE BROLESE, ora recorrente, propôs execução de sentença em face de LÉO ANTÔNIO BALDISSERA e FORJAS BALDISSERA LTDA, ora recorridos, aduzindo ser credora dos executados da importância de R$ 37.887,89 (trinta e sete mil, oitocentos e oitenta e sete reais e oitenta e nove centavos), em decorrência da condenação que lhes foi imposta em ação reparatória por danos causados em acidente de trânsito, onde veio a falecer o seu marido.

Citados, os executados ofereceram à penhora bem imóvel, que foi avaliado em R$ 61.400,00 (sessenta e um mil e quatrocentos reais). Na seqüência, peticionou o primeiro executado, afirmando que o aludido imóvel servia de residência do casal, e, por força da Lei nº 8.009⁄90, seria impenhorável.

Deferido o requerimento, ulteriormente, a magistrada a quo reconsiderou a decisão, ao fundamento de que, “efetivamente a dívida é de alimentos, sendo, portanto, inoponível a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009⁄90. Mantenho a penhora já realizada. Transitada em julgado, ao leilão.”

Contra esse entendimento, os executados interpuseram agravo de instrumento para o egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, sustentando que a dívida não era de alimentos e sim decorrente de indenização por acidente de trânsito, não podendo o imóvel ser constrito, por se tratar de bem de família.

O recurso foi provido, à unanimidade, pela 11ª Câmara Cível, à consideração de que “a pensão alimentícia a que se refere o art. 3º, III, da Lei nº 8.009⁄90, diz respeito à pensão derivada de dívida genuinamente alimentar, proveniente de laços de parentesco e não à decorrente de ato ilícito.
(...)
Por isso, não pode incidir a penhora sobre o bem de família, onde reside o executado Léo Antônio Baldissera, pois inaplicável à espécie a ressalva constante do art. 3º, III, da Lei nº 8.009⁄90.”

Com efeito, dispõe o artigo 1º da mencionada lei que “O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta Lei.”

Por sua vez, excepcionando a regra geral da impenhorabilidade, preconiza o artigo 3º que tais disposições não serão oponíveis, quando a ação for movida, entre outros casos:

“ III – pelo credor de pensão alimentícia;”

Nas razões do especial, alega a recorrente que a exceção prevista no dispositivo retro transcrito não faz qualquer distinção quanto à proveniência do crédito. Desse modo, afirma, seja a pensão alimentícia decorrente de laços de parentesco ou de ato ilícito, não poderá o imóvel ser afastado da constrição.

A questão posta à discussão é uma das que mais suscitam divergência no campo doutrinário e jurisprudencial, com argumentos respeitáveis num e noutro sentido, razão pela qual a solução da controvérsia não pode prescindir da interpretação sistemática e teleológica da aludida norma.

Nessa linha de raciocínio, comparando o dispositivo em comento com outro dentro do mesmo repositório legal, verifica-se que, no inciso VI, o legislador fez constar a inoponibilidade da lei aos casos de execução de sentença penal condenatória a ressarcimento ou indenização (grifei).

Sem embargo de não se possa falar, na hipótese em exame, em execução de sentença penal condenatória, tenho que o princípio que orienta a exceção é o mesmo, pois, embora decorrente a obrigação de ilícito civil - acidente de trânsito em que veio a falecer o esposo da recorrente -, desse fato decorrem, também, repercussões na esfera penal, a justificar o pedido de penhora do imóvel.

Por outro prisma, não me parece razoável conceber que a intenção do legislador tenha sido a de proteger o bem de família mesmo quando, no pólo oposto, o interesse jurídico a ser tutelado seja a própria vida do credor da obrigação, em função da necessidade dos alimentos para a sua subsistência. Nessa medida, seria jurídico e eticamente inadequado o devedor inadimplente poder alegar a impenhorabilidade do bem de família, colocando o credor dos alimentos em situação muitas vezes de extrema necessidade.

Não é demais observar que, no momento histórico em que foi editada, a Lei nº 8.009⁄90 teve por finalidade proteger parcela da população representada por infortunados devedores e suas famílias, em função de dívidas contraídas junto a agiotas e instituições financeiras, numa época de brutal processo inflacionário e considerável inadimplência. Daí a necessidade de ser preservado o único bem imóvel que servia à residência da família.

É bem verdade que, por se tratar de norma restritiva de direito, sua interpretação não poderá ser extensiva. Não obstante, ao excepcionar a oponibilidade do bem de família ao credor de pensão alimentícia, a lei não faz qualquer distinção quanto à origem da dívida, sendo de se observar que os alimentos, quanto à causa jurídica que lhes dá origem, não se limitam àqueles denominados legítimos, pautados na solidariedade familiar, por vínculo de parentesco ou matrimônio, e que integram o direito de família. Englobam ainda outras espécies, como ensina Caio Mário da Silva Pereira:
“Quanto ao aspecto causal, os alimentos se dizem legítimos (os que são devidos por força de lei), testamentários (instituídos por disposição de última vontade), convencionais (oriundos de estipulação negocial inter vivos), ressarcitórios (destinados a indenizar a vítima de ato ilícito).” (Instituições de Direito Civil – Direito de Família, Rio de Janeiro, 1991, 7ª ed., p. 264).

Por esse enfoque, pondera, ainda, Yussef Said Cahali:

“Em realidade, atento ao pressuposto da unicidade de destinação dos alimentos, não se pode pretender – apenas em função da diversidade das causas geradoras da obrigação alimentar – fragmentação do instituto em compartimentos estanques, informando-se cada uma das modalidades em princípios autônomos, com disciplina jurídica exclusiva e incomunicável.

(...)

Neste campo, mais do que qualquer outro, se não se reconhece a existência de uma disciplina unitária para as obrigações alimentares resultantes de diversas causas (o que, efetivamente, mostra-se inviável), admite-se, pelo menos, uma certa migração normativa entre os vários ramos do direito, com fulcro na análise justificada pela unicidade na destinação do benefício.

(...)

Nada obsta, em princípio, à aproveitabilidade de certas regras inerentes aos alimentos legítimos no âmbito da obrigação alimentar que tenha como causa a atividade voluntária ou o ato ilícito.” (Dos Alimentos, São Paulo, 2002, 4ª ed., ps. 24⁄25).

A matéria não é virgem nesta Corte. Já foi objeto de apreciações também no Resp. nº 374.332, ocasião em que o ilustre relator, Ministro Menezes Direito, assim se pronunciou:

" No caso, os réus foram condenados a prestar alimentos ao autor da ação de indenização, ora recorrido, sendo determinada a constituição de capital para o cumprimento das obrigações alimentares, na forma do art. 602, § 1º, do Código de Processo Civil. Poder-se-ia argumentar qua a ressalva não alcança as indenizações por atos ilícitos, ficando o dispositivo confinado aos outros casos de alimentos. Mas, tal não me parece diante do que dispõe o art. 602 do Código de Processo Civil, que, expressamente, determina a constituição de capital toda vez que a indenização por ato ilícito incluir a prestação de alimentos, como ocorre neste feito. Assim, a Lei nº 8.009⁄90 incide em hipóteses de indenização por atos ilícitos que inclua a condenação à prestação de alimentos; sendo a vítima credora de alimentos, está a salvo da alegação de impenhorabilidade nos termos do inciso III do art. 3º da Lei nº 8.009⁄90."

Não poderia ser diferente. Na hipótese, retirar o caráter alimentar da obrigação, seria o mesmo que incentivar o seu descumprimento, no caso de vir a faltar outros bens penhoráveis do devedor. A regra da impenhorabilidade do bem de família, a meu sentir, não deve se prestar a esse fim.

Entender-se de outro modo, levaria a resultado injusto e contrário ao espírito que norteou a elaboração da lei, mormente na hipótese dos autos, em que se discute pensão indenizatória por morte do mantenedor do lar.

Feitas essas considerações, conheço do recurso e lhe dou provimento, para restabelecer a penhora sobre o imóvel.

É o voto.

Ministro CASTRO FILHO
Relator

CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA
Número Registro: 2002⁄0060024-7 RESP 437144 ⁄ RS

Números Origem: 5799 70002211050 70002737401

PAUTA: 07⁄10⁄2003 JULGADO: 07⁄10⁄2003

Relator
Exmo. Sr. Ministro CASTRO FILHO

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO

Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. JOSÉ ROBERTO FIGUEIREDO SANTORO

Secretária
Bela. SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO

AUTUAÇÃO

RECORRENTE : DIVA SGARIONE BROLESE
ADVOGADO : EDUARDO FERREIRA FISCHER E OUTRO
RECORRIDO : FORJAS BALDISSERA LTDA E OUTRO
ADVOGADO : GILSON JOSÉ LAZZAROTTO

ASSUNTO: Civil - Responsabilidade Civil - Indenização - Acidente - Transporte Rodoviário ⁄ Trânsito

SUSTENTAÇÃO ORAL

Sustentou oralmente o Dr. Eduardo Fischer, pelo recorrente.
CERTIDÃO

Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

"A Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e deu-lhe provimento."
Os Srs. Ministros Ari Pargendler, Carlos Alberto Menezes Direito e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Antônio de Pádua Ribeiro.
Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito.

O referido é verdade. Dou fé.

Brasília, 07 de outubro de 2003

SOLANGE ROSA DOS SANTOS VELOSO
Secretária